Pedra centenária salvou a vila de Aneyoshi |
Tablóide
Philippe Pons, Enviado especial a Aneyoshi (Japão)
Tradução: Lana Lim
O caminho estreito serpenteia por quilômetros no meio da floresta de ciprestes e de cedros da quase ilha Omoe. Depois, no cabo Todogasaki, ele se precipita para o mar e logo vira um canal entre muralhas de pedra transpassadas por tufos de coníferas nas cavidades.
Mal atravessa um vilarejo com uma dúzia de famílias, a brutal beleza desse “corredor de pedra” dá lugar a uma paisagem devastada: até cerca de trinta metros de altura, as árvores incrustadas na rocha estão quebradas; redes de pesca e boias pendem dos galhos como guirlandas; detritos recobrem a pequena torrente; as rampas da estrada estão deformadas. Depois, desemboca no porto em sua pequena enseada: o cais de concreto se partiu em dois, pequenas embarcações viradas flutuam cá e lá com a quilha para cima. Aqui, a onda atingiu 38,9 metros, segundo uma equipe de pesquisadores que foi até o local. Sozinho na orla, um pescador observa o desastre. “Não houve vítimas aqui”, diz. Milagre? “Você não viu a estela na beira da estrada?”
De fato, a 200 metros abaixo do vilarejo, uma estela de pedra com um metro de altura se ergue como uma sentinela em uma encosta ao longo da estrada, perdida no meio de rochedos e árvores. Ela leva uma inscrição: “Em lembrança dos grandes tsunamis de 1896 e de 1933. Lembrem-se desses desastres e não construam jamais suas casas aquém deste limite”.
Desde então, os habitantes de Aneyoshi respeitaram a ordem de seus ancestrais que alertavam contra um outro tsunami que, cedo ou tarde, deveria chegar. Ao passo que em 1933 houve somente dois sobreviventes, desta vez não houve vítimas no vilarejo: os únicos desaparecidos foram uma mãe e seus três filhos, cujo carro foi levado pela onda para um vilarejo vizinho.
“Estamos a 800 metros da costa e a cerca de 60 metros acima do nível do mar. A onda veio quebrar a alguns metros da estela”, explica um pescador, dono da única hospedaria do vilarejo. Uma varinha de madeira fincada no chão na beira da estrada indica o lugar. “Nossos ancestrais conheciam o horror dos tsunamis, e nós os ouvimos”, diz.
Na costa de Tohoku, devastado pelo tsunami de 11 de março que produziu quase 30 mil mortos e desaparecidos, contamos 260 estelas parecidas, algumas com vários séculos de idade, que alertam as gerações futuras contra os riscos de se construir casas perto do mar, conta Fumio Yamashita. Originário do departamento de Iwate, ele dedicou várias obras aos tsunamis. Ele mesmo foi vítima da vaga do dia 11 de março. Aos 87 anos de idade, ele estava hospitalizado em Rikuzentakata quando a onda chegou: a água havia subido até o terceiro andar. Depois ela recuou e ele foi salvo.
A estela de Aneyoshi se tornou célebre porque sua fotografia figura em um de seus livros. Mas outros vilarejos possuem monumentos como esse. Quando eles não os têm, os habitantes muitas vezes estão impregnados pelos relatos de seus ancestrais; é o caso do vilarejo de Shirahama (subordinado ao município de Ofunato, uma das cidades portuárias atingidas): “Se você mora perto do mar, certamente é mais fácil para pescar, mas aqui ninguém quer se arriscar”, lembra Soji Kumagai, de 85 anos.
Após o tsunami de 1933, autoridades do vilarejo decidiram que era preciso construir em áreas elevadas. Foi o caso do pequeno porto de Yoshihama (município de Ofunato), onde o chefe do vilarejo financiou pessoalmente a mudança das casas dos mais pobres: no dia 11 de março, 440 casas se encontravam em uma altura superior a 20 metros, e assim a grande maioria da população escapou do desastre.
Na ilha de Miyato, na costa de Higashimatsushima, um monumento lembra que, em 869, após um violento terremoto, duas ondas convergiram para o meio dela. Depois disso, a população sempre evitou construir nessa parte da ilha. “Provavelmente é uma lenda, mas ela nos salvou”, resume o monge do templo Kannon-ji. Lenda ou respeito à experiência? De qualquer forma, a antiga via, Hamadori, de vários séculos de idade, que segue o litoral na parte leste do departamento de Fukushima, evitava as regiões de risco, descobriu o historiador Arata Hirakawa, da Universidade de Tohoku.
E, dessa vez, ela estava fora da área inundada. “Nossos ancestrais eram mais humildes em relação à natureza, e na reconstrução nós deveríamos levar em conta experiências do passado”, ele escreveu. O que não aconteceu na maioria das vezes. “Aos poucos, por falta de lugar e de comodidade, os habitantes constroem cada vez mais embaixo, confiando nos diques”, constata o carpinteiro de um pequeno porto vizinho de Aneyoshi, Kidohama, que foi devastado.
Ao longo de toda a Rota 45, que acompanha a costa atravessando os departamentos atingidos (Fukushima, Miyagi e Iwate), placas em japonês e em inglês indicam regularmente que se está entrando em uma área de risco de tsunami. Mas, aparentemente, esses avisos não foram dissuasivos o bastante – e as autoridades não alertaram suficientemente os moradores - , pois hoje os vilarejos situados em locais perigosos, embora devidamente indicados, foram em sua maioria varridos do mapa.
Esses alertas, um tanto patéticos agora que o desastre está bem diante dos olhos de todos, foram menos respeitados que o das estelas cobertas de musgo, com caracteres às vezes meio apagados, portadoras da mensagem de sabedoria conferida pelo tempo. Relíquias cuja eficácia ainda não foi substituída por um sistema mais adaptado a uma época talvez confiante demais em suas tecnologias para levar em consideração as experiências passadas.
Nos gusta mucho de la UnB, ya hasta entrevista un profesor!
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