terça-feira, 31 de maio de 2011

Contos sobre a Imigração Japonesa



       Ir para o Brasil, fazer dinheiro nas lavouras de café e retornar ao Japão o mais breve possível não era um sonho para muitas famílias japonesas no início do século XX: era a única saída. “Naquele tempo, o Japão era uma nação exaurida pela explosão populacional e pelos gastos provocados por guerras recentes, travadas contra a China e a Rússia”, explica o advogado e estudioso da imigração japonesa Masato Ninomiya. Na cidade, o índice de desemprego era dramático. No campo, os lavradores que não tinham tido suas terras confiscadas por falta de pagamento de impostos mal conseguiam sustentar a família.

       Diante desse cenário, o governo japonês era o primeiro interessado em estimular a emigração. “No Brasil, existe uma árvore que dá ouro: o cafeeiro. É só colher com as mãos”, diziam cartazes do período. Da parte do Brasil, o interesse pela vinda dos japoneses devia-se principalmente à interrupção, em 1902, do fluxo de imigrantes italianos, que deixou as fazendas cafeeiras precisando desesperadamente de braços. Foi essa equação que possibilitou que, em 1908, camponeses, carpinteiros, pequenos comerciantes e donos de fabriquetas à beira da falência se tornassem “soldados da fortuna”, como escreveu o presidente da Companhia Imperial de Emigração, Ryu Mizuno, no diário de bordo do Kasato Maru – o primeiro navio de imigração japonês a aportar no Brasil, trazendo 165 famílias.

      Antes de embarcarem, todos eram obrigados a passar por uma espécie de quarentena no Porto de Kobe (429 quilômetros a oeste de Tóquio), onde faziam exames médicos e tinham aulas básicas de português. Alguns aproveitavam para comprar mudas de roupas ocidentais nas lojas das proximidades. A hora da partida – embalada pela canção de despedida Hotaru no Hikari (”À luz dos vagalumes”) e pelo Hino Nacional do Japão – era ainda mais triste quando um integrante da família era obrigado a ficar em terra, impedido de viajar por causa de alguma doença. “O tracoma, um tipo de conjuntivite, separou muitas famílias naquele tempo”, conta o antropólogo Koichi Mori . As viagens não ofereciam nenhum conforto, como relata o jornalista Jorge Okubaro, em seu livro O Súdito: “(…) crianças mais jovens viajavam no colo da mãe (…) Dormiam todos, homens e mulheres, adultos e crianças, sobre esteiras estendidas no chão do cargueiro, em condições promíscuas”. Banho com água doce, só duas vezes por semana, conta o autor, “e cada pessoa só podia usar três baldes de água”.

      Em condições normais, a viagem demorava dois meses. Ao chegarem à Hospedaria de Imigrantes, em São Paulo, para onde eram levados depois do desembarque no Porto de Santos, os japoneses percebiam as primeiras mudanças: “Em vez do banho na banheira de madeira, com que estavam acostumados, eles viam o chuveiro pela primeira vez. No lugar do arroz, eram apresentados ao pão francês”, relata a historiadora Célia Oi. Da Hospedaria de Imigrantes, os viajantes seguiam de trem para as fazendas de café no interior do estado. Lá chegando, o mato alto, o sol a pino, os pernilongos e as camas de palha dos alojamentos se encarregavam de dirimir qualquer dúvida que restasse quanto à dureza da realidade que estava por vir.

     A expectativa de acumular dinheiro rapidamente ia se desfazendo à medida que eles iam recebendo os primeiros pagamentos: descontadas as parcelas da dívida da viagem, mais os gastos com alimentos e remédios (sempre comprados na própria fazenda), não sobrava quase nada. “Os imigrantes se sentiam tratados como escravos. Muitos fugiram por causa disso.

      A vida só começou a melhorar depois que eles passaram a trabalhar na chamada “lavoura de parceria”: em contrato com um proprietário de terras, os trabalhadores se comprometiam a desmatar o terreno, semear o café, cuidar da plantação e devolver a área dali a sete anos, quando a segunda colheita estaria no ponto. Em troca, ficavam com os lucros da primeira safra (a cultura do café é bianual) e de tudo o que plantassem além do café. Esse tipo de contrato foi o que permitiu que muitos japoneses comprassem suas primeiras terras.

      Embora a essa altura eles já estivessem aqui havia uma década – bastante tempo para quem planejava ficar por, no máximo, três anos –, o sonho de voltar ao Japão permanecia vivo e fazia com que a maior parte dos imigrantes educasse os filhos à maneira japonesa: dentro de casa, só se conversava na língua materna e, no contraturno da escola brasileira, as crianças freqüentavam os “nihon-gakus”, escolas onde aprendiam a ler e a escrever em japonês. Ao contrário do planejado, no entanto, apenas 10% dos quase 190 000 japoneses que imigraram antes da II Guerra Mundial voltaram para a terra natal. O restante ficou para sempre no Brasil – e ajudou a construir a história da segunda geração de japoneses no país.

Fonte: Revista Veja

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